domingo, 26 de dezembro de 2010

CIÊNCIA 46



UM BENEFÍCIO DA FIDELIDADE



Fernando Reinach



Do ponto de vista evolutivo, o número de descendentes deixados por cada indivíduo é a única medida de seu sucesso. A razão é simples. Se na média esse número for menor que um, a espécie se extingue; se for maior, ela se expande. Todas as espécies compartilham esse objetivo numérico, mas a estratégia utilizada para atingi-lo varia. Algumas, como os camarões, produzem milhões de ovos, que são abandonados ao sabor dos mares na esperança de que alguns sobrevivam. Em outras espécies, a fêmea se responsabiliza por garantir a sobrevivência dos poucos filhotes, enquanto o macho busca fertilizar o maior número possível de fêmeas. Em algumas, pai e mãe trabalham juntos para garantir a sobrevivência da cria. Quando há colaboração entre os pais, é fácil entender a motivação: o filhote transmite para gerações futuras os genes de cada progenitor.

Mas como explicar que em algumas espécies irmãos e tios ajudam a criar um recém-nascido ? Eles não deveriam se preocupar em deixar seus próprios descendentes, passando seus genes para a próxima geração ? Esse aparente paradoxo, resolvido em 1964 pelo biólogo e matemático W. D. Hamilton, justifica o aparente altruísmo de tios e irmãos e explica o surgimento de agrupamentos sociais entre animais. Hamilton propôs que tios e irmãos, ao ajudarem a criar os parentes, aumentam as chances de seus próprios genes passarem para as gerações seguintes. Isso porque irmãos e tios carregam parte dos genes presentes nos filhotes que ajudam a criar. Afinal, eles compartilham os mesmos pais ou os mesmos avós com os filhotes nos quais investem seus esforços.

Mas, se a explicação de Hamilton está correta, é de se esperar que um irmão "prefira" cuidar de irmãos gerados pelos mesmos pais, com os quais compartilha 50% do genes, que de um meio-irmão. Se um dos pais é infiel ou promíscuo e o filhote é somente um meio-irmão - e, portanto, compartilha somente 25% dos genes -, o "incentivo" para ajudar a criá-lo é menor. Com base nesse raciocínio, Hamilton propôs que a colaboração na criação dos filhotes deveria ser muito mais frequente em espécies em que ocorre a fidelidade conjugal. Agora, um estudo detalhado em 267 espécies de pássaros confirmou a teoria de Hamilton.

Para cada uma das 267 espécies, foi estudado o comportamento do grupo na criação dos filhotes. Em algumas, somente o pai ajudava a mãe. Em outras, irmãos e tios também ajudavam a alimentar os filhotes no ninho. Nos casos extremos, como os Corcorax melanorhamphos, os filhotes simplesmente morrem de fome se os pais não forem auxiliados pelos parentes. De uma forma ou de outra, em aproximadamente 10% das espécies de pássaros os pais contam com a ajuda dos parentes.

Além de determinar o comportamento social de cada espécie, os cientistas fizeram testes de paternidade por DNA nas famílias de cada espécie para determinar o grau de fidelidade conjugal. Espécies nas quais todos os filhotes, mesmo de diferentes ninhadas, possuíam os mesmos pais foram classificadas como fiéis. Quando a porcentagem de filhotes de pais diferentes aumentava, a espécie era classificada em grupos de promiscuidade crescente.

Finalmente, os cientistas puderam correlacionar o grau de fidelidade de cada espécie com a sua estrutura social. Essa comparação, feita nas 267 espécies, demonstra que, à medida que aumenta a infidelidade, diminui a quantidade de ajuda que os pais recebem dos parentes na criação dos filhos. Isso significa que fidelidade e ajuda da família estão correlacionadas e provavelmente têm uma relação causal.

Quando uma espécie adota a fidelidade conjugal, os parentes passam a ter uma vantagem reprodutiva se ajudarem a criar os filhotes. Por outro lado, ao abrir mão do direito de procriar com diversos machos, a fêmea está colocando todos os seus ovos na mesma cesta: se o macho tiver genes piores, eles estarão em todos os seus filhos. O equilíbrio entre a estratégia da fidelidade, na qual a fêmea conta com a ajuda dos parentes, mas sacrifica a liberdade sexual, e a estratégia promíscua, na qual a fêmea possui a vantagem da diversidade de machos, mas sacrifica a ajuda da familiar, é tênue. Tanto assim que as duas estratégias são amplamente utilizadas pelos pássaros.

O interessante é que esse mesmo comportamento, disfarçado e encoberto pelas convenções sociais, pode ser observado nas sociedades humanas. Basta lembrar das malvadas madrastas retratadas em muitas histórias infantis.





Mais Informações : Promiscuity And The Evolutionary Transition To Complex Societies. Nature, Vol. 466
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A33, 21/10/2010.


COTIDIANO 07

Sebastião Nicomedes, aluno do Projeto, segura sua foto



SEM-TETO VENDE FOTO POR R$ 1,5 MIL


Principais itens de leilão na Villa Daslu eram trabalhos de dez moradores de rua ; venda de obras deamadores e profissionais arrecadou R$ 85 mil


Felipe Grandin


Um grupo de dez ex-moradores de rua foi o centro das atenções na noite de anteontem em um maiores símbolos do luxo da cidade de São Paulo, a Villa Daslu, no Itaim-Bibi, zona sul. Eles e suas fotos foram as principais atrações do leilão promovido pelo Instituto Brasis. O evento arrecadou R$ 85 mil com a venda de 61 fotografias.

Foi o ápice do projeto Trecho 2.8, que tira pessoas da rua por meio da fotografia. O leilão reuniu imagens feitas pelos participantes da iniciativa e por fotógrafos consagrados, que doaram suas obras. Metade da renda será transferida aos integrantes do projeto, para que consigam se firmar fora das calçadas. A outra fica com o instituto, para investir em novas turmas e abrir uma empresa que venderá as fotos e os serviços dos profissionais.

O projeto é do Instituto Brasis, criado em 2009 em parceria com o Instituto Gens de Educação e Cultura. A iniciativa é coordenada pelo psicólogo Edson Fragoaz e a doutora em Comunicação Grácia Lopes Lima.

A cada martelada do leiloeiro James Lisboa, os sorrisos brilhavam nos novos fotógrafos, que planejavam o que fazer com o dinheiro. 'Vai dar para comprar minha câmera, um laptop e um sofá para a minha casa', disse Sebastião Nicomedes, de 42 anos.

'Esse é o próximo Sebastião Salgado do mercado', dizia o leiloeiro, enquanto promovia a foto Vira lata, de Nicomedes. O elogio funcionou e, após 15 lances, o valor do quadro passou de R$ 600 para R$ 1.250. Sebastião acabou sendo o campeão de vendas, com R$ 5 mil em lances pelas suas cinco fotografias e também o que recebeu o lance mais alto entre os colegas: R$ 1,5 mil pela foto República. 'Não acreditei. Pensei que ia conseguir vender uma foto e sair com R$ 300.'

A peça mais cara de Sebastião foi comprada por Marco Cauduro, sócio da Arbela Investimentos. 'Acompanho o projeto porque sou sócio do Marcos (Amaro, presidente do Instituto Brasil)', disse. 'Mas não foi uma doação cega. Percebi valor artístico nessas fotos e escolhi o trabalho que achei melhor.'

Entre as obras de fotógrafos profissionais, Estudo em Azul, de Marcos Piffer, foi a que recebeu o lance mais alto, de R$ 7,2 mil. 'Tinha estudado as fotos antes do leilão, mas foi no calor do momento que eu escolhi essa', disse o comprador José Moraes, sócio da corretora de seguros Galcorr.

Diferenças. A disparidade social entre os autores das fotos e dos lances era evidente. 'O que são R$ 600? É um jantar, um vinho, um preço simbólico', dizia Lisboa para convencer os compradores.

Outra fotógrafa amadora, Carol Garcia custava a acreditar no que havia acontecido. 'Quando escolhi as fotos, não achei que ia vender', disse ela, que pretende se especializar na profissão.

Marcio Passos também era só sorrisos ao lado da companheira de vida e de fotografia, Edione Ferreira. 'Não esperava. Se vendesse uma, já estava bom. Vendemos todas', disse ele, que morava no Brás e conseguiu alugar um apartamento. Questionado sobre o que faria agora, mostrou orgulhoso o crachá com sua foto e a inscrição 'fotógrafo'.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Cidades, pág. C05, 27/10/2010.

FACEBOOK 04



FACEBOOK ENFRENTA AS TELAS DE CINEMA


Filme retrata fundador da maior rede social como extremamente antipático, socialmente desajeitado e temivelmente inteligente


Kenneth Turan - Los Angeles Times
Tradução Terezinha Martino


Seria possível que o indivíduo que criou o Facebook, que conectou tantas pessoas a ponto de ser difícil de acreditar (500 milhões e não para aí) alguém incapaz uma ligação pessoal mais próxima? É possível que o bilionário mais jovem do mundo, um garoto de 26 anos cuja criação permitiu às pessoas se unirem em 207 países, usando 70 línguas, seja o jovem mais solitário do planeta ?

Se isso soa para você como uma lorota, você não conhece metade da história. Escrito por Aaron Sorkin, dirigido por David Fincher e ancorada pelo desempenho perfeitamente ajustado de Jesse Eisenberg, o filme A Rede Social, que chegou ontem aos cinemas americanos, conta uma história excelente.

Mas, embora hoje nada esteja mais em moda do que o fenômeno Facebook, A Rede Social é um filme bem sucedido porque sua história é o ingrediente de filmes dramáticos arquetípicos. Ele une a tradição de épicos como A Vida do Dr. Ehrlich, Madame Curie e Edison, o Mago da Luz, com a história familiar do poder corrupto da ambição e do sucesso, que permite que o público sinta que as vidas quotidianas dessas pessoas têm mais significado do que aquelas dos ricos e famosos. Em alguns aspectos, A Rede Social foge desses filmes biográficos citados e um deles é que, na interpretação de Jesse Eisenberg, o protagonista Mark Zuckerberg é retratado como um jovem estudante de Harvard, de 19 anos, extremamente antipático, não heroico, socialmente desajeitado e temivelmente inteligente.

Jesse está excelente no papel de uma pessoa cujo sucesso é alimentado por ressentimentos de todas as formas e tamanhos. O seu Mark Zuckerberg é tão consumido pelo ímpeto de conquistar cada vez mais status que ninguém é páreo para ele na combinação de um objetivo implacável e na frieza desinteressada que ele consegue expressar.

Embora o filme seja baseado no livro Bilionários por Acaso, de Ben Mezrich, o roteirista Aaron Sorkin realizou sua própria pesquisa da história e o tratamento que deu a ela não foi nada redundante. Mesmo que tenha se falado que A Rede Social teria alguns elementos de Rashomon (em que a história é mostrada a partir de vários pontos de vista), essa é uma pista falsa. Os personagens do filme naturalmente têm pontos de vista diferentes e os detalhes podem ser contestados, mas o impulso básico da história jamais balança, independente dos fatos narrados.



REJEIÇÃO



A Rede Social começa propondo que foi um ressentimento social muito específico que impeliu Zuckerberg na sua trajetória para os bilhões. O filme tem início num bar de universitários perto do campus de Harvard no outono de 2003, com Zuckerberg sendo passado para trás pela namorada.

Sair com ele, ela diz asperamente, é "como ter um encontro com um aparelho de musculação". Furioso por ser rejeitado dessa maneira, ele entra pisoteando em seu dormitório e, com a ajuda do colega de quarto e seu melhor amigo, Eduardo Saverin (interpretado por Andrew Garfield), ele se vinga invadindo sistemas da universidade e criando o Facemasch, um site que permite aos estudantes votarem quais as garotas "mais quentes" de Harvard.

Em duas horas ele consegue 22 mil respostas e derruba o sistema da universidade.

Uma proeza que chama a atenção de dois gêmeos remadores e pertencentes à elite da escola, Cameron e Tyler Winklevoss ( interpretados, com a ajuda do computador, por dois atores diferentes, Armie Hammer e Josh Pence).

Eles e o amigo Divya Narendra (Max Minghella) contratam Zuckerberg para trabalhar num serviço de marcação de encontros da universidade que eles criaram, chamado Harvard Connection. Quase simultaneamente, Zuckerberg, financiado pelo seu amigo Saverin, começa o seu thefacebook, que no final se transformou no que você já sabe.

Depois disso, A Rede Social salta alguns anos no futuro, focalizando processos judiciais acrimoniosos abertos contra Zuckerberg pelos irmãos Winklevoss e o seu amigo Saverin, e todos eles, embora por diferentes razões, são muito frustrantes para ele, ao ver seus antigos colegas e amigos processando-o.

Parte da energia do filme vem do vigor da eficiente edição de Angus Wall e Kirk Baxter, saltando das cenas em que ele presta depoimento para a descrição dos fatos que levaram à criação do Facebook, e Zuckerberg se tornando rico e famoso. E aí entra também a figura do cofundador do Napster, Sean Parker (Justin Timberlake), personalidade sedutora, mas que também provoca muitas dissensões.



REALIDADE



Uma outra pista falsa sobre A Rede Social é sobre como são reais os personagens e o filme. É falso porque filmes, mesmo os documentários bem intencionados, sempre distorcem a realidade.

O fundador do Facebook se recusou a cooperar com o filme, e Eisenberg, que o interpreta, não conhece Zuckerberg pessoalmente. "Boa parte do filme é ficção", disse fundador do Facebook a Oprah Winfrey na semana passada. "Estamos falando de minha vida, portanto eu sei que ela não é tão dramática assim."

Os partidários de Zuckerberg afirmam que o filme é injusto com ele, mas diante do que disse um cronista da New Yorker que o entrevistou, caracterizando o fundador do Facebook como "uma mistura estranha de timidez e petulância" a interpretação de Eisenberg não parece estar equivocada. Tudo o que realmente importa em A Rede Social é que ele convence em termos de filme, e é isso que ele é. Zuckerberg, mesmo a contragosto, deve concordar com isso.

Alguém que doou US$ 100 milhões para as escolas públicas de Newark, Nova Jersey, no momento em que este filme foi apresentado no Festival de Cinema de Nova York, provavelmente está preocupado que, com todos os seus bilhões, ele pode ficar prisioneiro, e para sempre, desse retrato inclemente que o fil0me faz dele, da mesma maneira que a talentosa atriz Marion Davis foi prejudicada pela personagens sem talento baseada nela, no filme Cidadão Kane.

O Facebook pode ser poderoso, mas filmes convincentes têm uma força que não pode ser descartada.



PARA LEMBRAR



O Facebook, maior rede social do mundo, foi lançado em fevereiro de 2004, e possuía mais de 500 milhões de usuários ativos em julho de 2010. Quando estreou, a participação no serviço era limitada a estudantes de havard. Com o tempo, ele foi expandido para outras universidades, para alunos do ensino médio, para depois estar disponível para todas as pessoas com 13 anos ou mais.

A Microsoft comprou 1,6% do Facebook em outubro de 2007, por US$ 240 milhões, avaliando a empresa em US$ 15 bilhões. A empresa anunciou um fluxo de caixa positivo pela primeira vez em setembro de 2009.

No Brasil, o Facebook está atrás do Orkut, que pertence ao Google, como a rede social mais usada. Segundo estudo da ComScore, vem em segundo lugar, empatado com o Twitter.



ZUCKERBERG TERIA PASSADO PARA TRÁS AMIGO BRASILEIRO


Gustavo Chacra


O brasileiro Eduardo Saverin era o número dois do Facebook nos seus primórdios, em 2003. Mais jovem integrante da lista de bilionários da Forbes, com uma fortuna estimada em US$ 1,15 bilhão, e melhor amigo de Mark Zuckerberg na Universidade Harvard, ele chegou a ser dono de cerca de 30% do site de relacionamentos na época do seu lançamento, além de atuar como diretor financeiro.

Nos anos seguintes, o brasileiro teria sido passado para trás por Zuckerberg, segundo livros sobre a formação do Facebook e o filme de A Rede Social.

Sua participação na empresa se reduziu para menos de 1%. Depois de acordo em 2009, Saverin recebeu 5% das ações do site e tem o direito de usar o termo "cofundador" do Facebook.

Os detalhes do acerto do brasileiro com o Zuckerberg não são claros. Os dois lados evitam dar declarações sobre o tema. Procurado pelo Estado para conceder entrevista, Saverin não respondeu.

Nascido em São Paulo, ele se mudou ainda criança para Miami, nos anos 1990. Aos 18 anos, foi estudar em Harvard, onde se formou quatro anos mais tarde em economia com distinção acadêmica.

Na universidade, considerada uma das mais tradicionais dos EUA, Saverin conheceu Zuckerberg, judeu como ele, e os dois rapidamente se transformaram em melhores amigos.

No filme, de acordo com crítica publicada nesta semana na revista New Yorker, Saverin aparece como "um rapaz decente, mas sem imaginação e um pouco tímido".

O brasileiro, segundo o escritor Ben Mezrich, autor do livro Bilionários Acidentais, uma das principais fontes para o filme, afirma publicamente que ele foi relutante em dar informações sobre a história do Facebook.

Já alguns blogueiros especulam que Saverin é responsável por ter vazado uma série de histórias relacionadas a Zuckerberg.

Atualmente, Saverin vive em Nova York, de acordo com a sua página no Facebook. Segundo o site, o brasileiro trabalha com investimento em alta tecnologia e gosta de xadrez, futebol e "acompanhar furacões".

Como quase ninguém sabe exatamente seu paradeiro, a não ser pela página no Facebook, sua vida passou a ser tema de uma série de teorias da conspiração.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Economia, pág. B21, 02/10/2010.

TWITTER 01



VALOR DO TWITTER CHEGA A US$ 3,7 BI


Empresa de investimento do Vale do Silício aportou US$ 200 milhões na rede social


Reuters - São Francisco


O Twitter levantou US$ 200 milhões em capital, numa transação que avalia a companhia de microblogs em US$ 3,7 bilhões, menos de um ano depois de ela ter iniciado os primeiros esforços para ganhar dinheiro. O capital, aportado pela Kleiner Perkins Caufield & Byers, empresa de investimentos do Vale do Silício, e por investidores do Twitter, dá ideia do quanto as companhias de redes sociais têm chamado atenção do mercado.

"É um múltiplo considerável. A ideia é que a escala (do Twitter) possa ser monetizada", disse Colin Gillis, analista da BGC Partners, que estima em menos de US$ 100 milhões por ano a receita atual do Twitter.

O dinheiro ajudará a rede social a se expandir, afirmou, ontem, a empresa em seu blog oficial. A mensagem não deu detalhes sobre a operação e o porta-voz se recusou a discutir aspectos específicos da transação.

O Twitter, que tinha 175 milhões de usuários até setembro, faz parte da nova safra de empresas de redes sociais que atravessa rápida expansão, nos mesmos moldes do Facebook e Zynga.

O Facebook foi avaliado em mais de 45 bilhões de dólares em recentes transações de ações realizadas no mercado secundário, de acordo com o Sharepost, um mercado online para a negociação de ações de empresas de capital fechado.



ABERTURA DE CAPITAL



Os investidores acompanham atentamente empresas como Facebook e Twitter, na expectativa de eventualmente comprarem ações dessas empresas quando elas abrirem capital. Gillis acredita que a nova avaliação do Twitter pode resultar na postergação de uma oferta pública inicial de ações, já que a empresa precisaria "crescer para se enquadrar à avaliação", e gerar mais receita a fim de se justificar perante os investidores do mercado aberto.

Mas Sandeep Aggarwal, analista da Caris & Co., afirma que há possibilidade de o Twitter abrir seu capital já em 2011, especialmente porque a empresa necessitaria de recursos para "aproveitar novas oportunidades". "Essas empresas estão famintas por recursos", disse Aggarwal.



NOVA VERSÃO DO SITE JÁ OFERECE ESPAÇO PARA ANUNCIANTES



O Twitter acaba de apresentar uma nova versão do seu site, voltado para as empresas que desejem aparecer nas suas páginas. Anteriormente, o Twitter optou por limitar o número de anunciantes e disse que a fila de possíveis clientes era extensa.

Dick Costolo, diretor executivo do Twitter, disse em setembro que a empresa ofereceria no ano que vem ferramentas self-service de publicidade para pequenas companhias. O novo site ainda não traz tal recurso, mas conta com um formulário online que os anunciantes podem usar para entrar em contato com o Twitter.

O serviço de microblogs também oferece aos anunciantes uma central que acompanha dados como o número de pessoas que viram ou mencionaram os posts de uma empresa.

Muitos anunciantes de renome, como Coca-Cola e HBO, procuraram o novo modelo de publicidade do Twitter e seus 175 milhões de usuários registrados, mas outros anunciantes dizem que estão esperando para ver como vai funcionar.

Nos produtos publicitários do Twitter, as mensagens são exibidas primeiro entre os resultados de busca.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Economia, pág. B19, 17/12/2010.

CELULARES 09



SÓ 17,5% DOS DONOS DE CELULAR SÃO DA CLASSE A/B


Consumidores de baixa renda já são maioria até mesmo nos planos pós-pagos


Renato Cruz


A telefonia celular, vista como elitista no seu lançamento no País, há 20 anos, tornou-se o serviço de telecomunicações preferido dos consumidores de baixa renda. Somente 17,5% dos usuários de celular são das classes A e B, segundo o Data Popular.

Mesmo nos planos pós-pagos, que as operadoras costumam apontar como os que concentram os clientes de renda mais alta, as classes C, D e E são maioria, com 59,7%. "As operadoras não sabem direito qual é o perfil do cliente", disse Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular. "Normalmente, elas sabem somente se ele usa muito ou pouco o serviço."

O bancário Claudio Vicente Ferreira, de 31 anos, tem um plano pós-pago da Oi. A mensalidade seria de R$ 40, com direito a 60 minutos. Mas ele conseguiu um desconto e o plano sai por R$ 18,90 mensais. "Eu nunca pago só isso", disse. "Sempre ultrapasso e minha conta é de R$ 40 a R$ 50." Pelos critérios usados pelo Data Popular, ele é um consumidor de classe C.

"Eu tinha um pré-pago, mas, como uso bastante, não compensava", afirmou Ferreira. Ele contou que, quando tinha o pré-pago, participava de uma promoção em que carregava R$ 15 e ganhava o triplo do crédito em bônus. Quando essa promoção venceu, ele resolveu migrar para o pós.

A analista de cobrança Valéria Augusto Silva, de 20 anos, tem um plano controle da Vivo de R$ 35. Esse tipo de plano é híbrido. O cliente paga uma mensalidade e, se usar sua franquia de minutos antes do fim do mês, o aparelho deixa de fazer chamadas. Para voltar a falar, é preciso carregar com créditos como um pré-pago. Esses celulares são classificados como pós-pagos pelas operadoras.

"Dificilmente eu carrego meu celular com créditos", afirmou Valéria. "Dá para controlar bem. O plano dura o mês inteiro." Roger Solé, diretor de marketing da TIM, afirmou que, no geral, o pré-pago é visto como mais vantajoso pelo cliente que está começando a usar o celular. Depois, existe uma tendência de migração. "Existe um sonho de consumo de ser pós-pago, para não ficar sem falar", disse Solé.

Tanto Ferreira quanto Valéria usam o celular para falar e para mandar mensagens de texto. Eles não acessam a internet no telefone móvel.



DADOS



Um grande desafio das operadoras é vender serviços de dados para esse público, principalmente acesso à internet. E o problema está mais na divulgação do serviço e na formatação dos pacotes do que na renda. Quarenta e oito por cento dos usuários das classes C, D e E gastam mais de R$ 100 por mês no celular e 73% gastam entre R$ 40 e R$ 100.

Existe, no entanto, uma confusão muito grande sobre o que seja acesso à internet no celular. Segundo Meirelles, do Data Popular, existem consumidores que falam que acessam a rede no telefone móvel, quando, na verdade, usam serviços em que enviam um torpedo para receber música ou outros conteúdos, o que não tem nada a ver com internet.

Mesmo sem levar em conta a classe social, o desconhecimento sobre os termos usados pelas operadoras é bastante grande. Cinquenta e seis por cento dos brasileiros, segundo a empresa de pesquisas, não fazem a menor ideia do que seja 3G (celular de terceira geração) e 62% não sabem o que é smartphone (celular inteligente, em que o consumidor pode acessar a internet e baixar aplicativos).

"O serviço de dados é visto pelo consumidor como um comedor de créditos", disse o sócio-diretor do Data Popular..

Patrícia Kastrup, diretora de marketing da Claro, afirmou que o cliente não chega na loja querendo um smartphone. "Ele quer um telefone com teclado, com email e acesso às redes sociais", disse.

Flávia Bittencourt, diretora de marketing da Oi, disse que o consumidor muitas vezes pensa que o smartphone é o aparelho que não tem teclado.

Ela ressaltou que as classes C, D e E são cada vez mais relevantes. "A parte difícil é explicar os novos serviços para o cliente", reconheceu.



CRESCIMENTO



Em outubro, o total de celulares no País alcançou 194,4 milhões, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O número de telefones móveis ultrapassou o de pessoas, chegando a uma densidade de 100,44 acessos por 100 habitantes. Do total, 82,2% são pré-pagos.

Esse número não é o total de aparelhos, mas o de chips. Inclui os minimodems de acesso à internet, as máquinas leitoras de cartões de crédito e débito e os rastreadores de veículos.

Segundo o Data Popular, 55% dos consumidores das classes A e B possuem mais de um chip. de celular O mesmo acontece com 45% da classe C e 30% das classes D e E.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Economia, pág. B16, 28/11/2010.

TECNOLOGIA 47



HOLANDA SE PREVINE CONTRA ALTA DAS MARÉS


País, suscetível a alagamentos, preocupa-se com mudanças no clima e investe em obras


Afra Balazina


Há 57 anos, uma enchente devastou a Holanda e matou 1,8 mil pessoas - número de vítimas semelhante ao de New Orleans com o furacão Katrina. O país nunca esqueceu a tragédia - vários diques não conseguiram conter as águas de uma tormenta associada à maré alta - e todos falam dela como se tivesse acontecido há apenas alguns meses.

Talvez seja por isso que, apesar de as negociações para um tratado climático entre os países avançar muito lentamente, os holandeses tenham decidido não esperar por uma definição global. Optaram por se preparar e se adaptar para as mudanças que inevitavelmente virão com o aumento médio da temperatura do planeta nas próximas décadas. A maior preocupação é com a subida dos mares : a Holanda tem 25% de seu território abaixo do nível do mar e outros 25% suscetíveis à alagamento.

A cidade de Roterdã, por exemplo, tem como meta cortar suas emissões de gases-estufa em 50% até 2025 e criou um programa para ficar "à prova do clima" até essa data. Paula Verhoeven, que cuida das questões climáticas no município, conta que por muitos anos as pessoas não precisaram se preocupar com o fato de estarem 5 ou 6 metros abaixo do nível do mar. "É importante que daqui a cem anos os moradores também consigam usar a cidade sem ter de pensar se choveu muito, se os túneis alagaram, se está muito quente ou seco", explica.

Um dos planos é erguer no distrito de Stadshavens 13 mil casas "resilientes às mudanças climáticas" até 2040. Dessas, 1,2 mil serão feitas sobre a água. A área não tem a proteção de diques e era ocupada por atividades portuárias que agora se mudaram para o oeste.

Apesar de parecer loucura, não se trata de um projeto utópico. Num país com pouca terra disponível e que convive tanto com a água, transformar barcos em moradias permanentes é algo relativamente comum - hoje, existem 6 mil barcos-casa. Mais recentemente, porém, houve um boom de casas flutuantes. Segundo o arquiteto Koen Olthuis, um dos mais reconhecidos no setor, há 300 delas em diferentes partes da Holanda e muitas outras em projeto. São realidade também uma prisão, uma estufa, um conjunto de escritórios e restaurantes flutuantes.

A prefeitura de Roterdã fez também como projeto-piloto um pavilhão flutuante perto de cartões-postais da cidade - a ponte Erasmus e o Hotel New York. São três semiesferas que podem abrigar exposições.

Na cidade de Maasbommel há uma vila de casas flutuantes. Por questão de segurança, os donos só passam oito meses por ano no local. Elas custam 20% a mais que uma moradia comum, possuem jardins e possibilitam que os moradores nadem e pesquem com facilidade.

Outros países também aderiram à ideia das estruturas flutuantes : as Ilhas Maldivas querem construir um campo de golfe e, em Dubai, há projeto de fazer uma praia flutuante.



BARREIRA



A Inglaterra, a Rússia e a Holanda construíram barreiras contra tempestades. Com as mudanças climáticas, elas serão fundamentais. Atualmente, a barreira em Hoek van Holland, que protege Roterdã, precisa ser usada em média a cada dez anos, quando o tempo está realmente ruim e o nível da água sobe mais de 3 metros. Porém, a expectativa é que, em 50 anos, a barreira passe a ser usada a cada cinco anos. Os números mostram que a obra compensa. Reforçar os diques existentes custaria 820 milhões de Euros, enquanto o gasto com a barreira foi de 660 milhões de Euros.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A32, 17/10/2010.

domingo, 19 de dezembro de 2010

CIÊNCIA 45



FEZES INCRIMINAM GORILAS



Fernando Reinach



Ele é um dos piores inimigos da humanidade. De tamanho microscópico, reproduz-se no interior das células que carregam oxigênio no sangue. Quando seu número aumenta, trememos de febre, deliramos e sofremos por dias. No ano passado, centenas de milhões de pessoas foram infectadas por esse parasita e mais de 1 milhão de indivíduos morreram. O massacre se repete a cada ano. É a malária. A novidade é que foi descoberto o animal que transmitiu esse parasita para os humanos.

A malária mais perigosa é causada pelo Plasmodium falciparum, transmitido por um pernilongo. Ele pica uma pessoa, infecta-se e, ao picar outra, transmite a doença. Há muitos anos, cientistas descobriram que os chimpanzés também são infectados por uma espécie semelhante, o Plasmodium reichenowi. Como o parasita dos chimpanzés tem genoma parecido com o do parasita humano, os cientistas acreditavam que um macaco ancestral, que teria vivido há mais de 5 milhões de anos, era infectado por uma espécie de Plasmodium. Ao longo de milhões de anos, enquanto nosso ancestral teria evoluído, dando origem ao Homo sapiens e aos chimpanzés, o Plasmodium original também teria evoluído e dado origem a duas espécies de parasitas, uma que ataca a humanidade e outra encontrada nos chimpanzés. Os cientistas acreditavam que convivemos com esse parasita desde antes de nos tornarmos humanos.

Quando se descobriu que o HIV teria se originado na África, cientistas começaram a investigar de onde teria surgido essa nova praga. Examinando sangue de chimpanzés, descobriram um vírus muito semelhante, o que demonstrava que o HIV provavelmente teria "pulado" dos chimpanzés para os humanos e iniciado a epidemia de aids. Na época, o coitado do chimpanzé teve a reputação arranhada: além de ser a fonte da malária, era acusado de ser a do HIV.

Inspirados nas investigações que demonstraram que o HIV tinha "pulado" dos chimpanzés para os humanos, um grupo de cientistas resolveu verificar se outros macacos eram parasitados por parentes do Plasmodium falciparum. O plano era simples: bastava ir à África, coletar o sangue de um grande número de macacos, avaliar se eles estavam infectados com um Plasmodium e determinar o tipo presente em cada animal.

Fácil falar, difícil executar. Subir numa árvore e pedir para um gorila estender o braço para um cientista coletar o sangue não é tarefa para qualquer um. Matar ou anestesiar os animais, nem pensar. A solução foi examinar os bancos de fezes.

Isso mesmo. Existem cientistas que passam a vida no solo da floresta, debaixo de um bando de macacos, coletando as fezes que eles soltam lá de cima. As fezes são uma fonte de conhecimento. Examinando as fezes é possível aprender, por exemplo, o que cada macaco come durante o dia. Uma boa parte dos cientistas que coletam fezes guarda as amostras congeladas em seus laboratórios. Foi analisando o DNA presente nessas amostras que os cientistas puderam descobrir os tipos de Plasmodium que infectam as populações selvagens de macacos. Foram analisadas fezes de 1.827 chipanzés (Pan troglodytes), 107 bonobos (Pan paniscus) e 805 gorilas, sendo que os gorilas pertenciam a duas espécies, Gorilla gorilla (do oeste) e Gorilla beringei (do leste).

Foi descoberto que bonobos e gorilas do leste não são infectados por espécies de Plasmodium. Os chimpanzés, como era de se esperar, são infectados pelo Plasmodium reichenowi. Mas, para surpresa geral, os cientistas descobriram que os gorilas do oeste são parasitados por um tipo de Plasmodium cujo DNA é praticamente idêntico ao do Plasmodium falciparum, causador da malária em seres humanos. Esse resultado demonstra que o parasita da malária provavelmente "pulou" dos gorilas para o ser humano muito depois da separação entre a linhagem dos gorilas e a humana.

Com a descoberta os chimpanzés deixam de ser "culpados" por nossa malária, mas continuam responsáveis por terem originado o HIV. A origem da malária agora é atribuída aos gorilas, incriminados pelas fezes coletadas na floresta. Mas a culpa verdadeira é nossa, dos Homo sapiens. Ao expandirmos rapidamente nossa população, ficamos cada vez mais em contato com outras espécies. Essa proximidade causa o extermínio dessas espécies e facilita a migração de novos vírus e parasitas para a espécie humana. Se você já se contaminou com "bicho geográfico" em praias frequentadas por cachorros e gatos, sabe bem do que estou falando.



Mais Informações : Origins Of The Human Malaria Parasite Plasmodium Falciparum In Gorillas. Nature, Vol. 467 Pág. 420, 2010
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A30, 14/10/2010.


COTIDIANO 06



O MELHOR DA CIÊNCIA INÚTIL


Ig Nobel premia com 10 trilhões de dólares (zimbabuanos) autores de façanhas como estudar a felação dos morcegos e provar a Lei de Murphy segundo a qual a torrada cai sempre com a manteiga para baixo


Sérgio Augusto


Em plena temporada do Nobel, o seu inverso : o Ig Nobel. Há 19 anos que ele existe, premiando pesquisas e façanhas científicas irrisórias, portanto pândegas e irrelevantes. Ou, como define quem o instituiu, pesquisas que provocam o riso e só depois a reflexão, acima de tudo sobre o alcance de sua desimportância. Ensinar pombos a diferençar um quadro de Picasso de um quadro de Monet, por exemplo. Tão inútil façanha já rendeu um Ig Nobel de Comportamento Animal a um trio de psicólogos americanos.

Foi uma ideia - o prêmio, não a columbófila experiência - de um sujeito chamado Marc Abrahams. Se existisse o Nobel do Bom Senso, seria injusto concedê-lo a outro cientista. Abrahams estudou matemática aplicada em Harvard e dedicou os melhores anos de sua vida a catar e tornar públicas as maiores tolices do mundo acadêmico, através de uma organização, Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável), que antecedeu de muitos anos a denúncia das "imposturas intelectuais" feita pela dupla Sokal-Bricmont.

Os galardões de 2010 foram entregues no dia 30 de setembro, em cerimônia realizada no Teatro Sanders da Universidade de Harvard, mas a série de palestras tradicionalmente embutida no evento - desta feita centrada no tema "bactéria" - continuou rolando, com, entre outras sumidades, o ficcionista e quadrinista Neil Gaiman.

Sempre prestigiada por cientistas premiados com o outro Nobel, é uma festa de gozação e confraternização, a que muitos comparecem com aqueles óculos e bigodes à Groucho Marx ou um barrete de bufão. A cada ano a recompensa em dinheiro ganha mais zeros, acompanhando a inflação, cortesia tão ou mais irrelevante que as pesquisas laureadas, pois a moeda adotada é o dólar zimbabuano. Cada ignobelizado embolsou um cheque de Z$ 10 trilhões.

Por falar em fiasco econômico (na ditadura de Mugabe um quilo de açúcar custa milhares de dólares nacionais), o Ig Nobel de Economia de 2009 coube justamente aos gênios das finanças que destruíram a moeda daquele país africano. O deste ano ficou com os magos da agiotagem dos grupos Goldman Sachs, AIG, Lehman Brothers, Bear Stearns e Magnetar, pelo que fizeram e continuam fazendo nos arredores de Wall Street.

O Ig Nobel de Química foi para três pesquisadores (um do MIT) que estudaram os possíveis efeitos de um vazamento de óleo nas águas profundas do Mar da Noruega, cujos resultados foram vendidos à BP, aquela petrolífera que emporcalhou o Golfo do México. O de Física premiou três neozelandesas da Universidade de Dunedin, pela tese de que a maneira mais segura de se evitar escorregões no gelo acumulado nas ruas durante o inverno é calçar as meias sobre as botas. Solas de lã sem dúvida oferecem muito mais estabilidade, mas e a sensação de ridículo ?

No campo da biologia comportamental, o destaque foi a experiência que Gareth Jones fez com morcegos, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Segundo dr. Jones, os morcegos prolongam a duração de suas cópulas praticando a felação - se é que entendi direito sua descoberta, trazida a público pela revista New Scientist. Abrahams autentica todas as suas premiações em apêndices e notas de rodapé. A experiência das meias foi publicada no New Zealand Medical Journal.

Três psicólogos britânicos da Universidade de Keele compartilharam o Ig Nobel da Paz. Tentaram provar cientificamente que praguejar, xingar e dizer palavrões não só acalma o ser humano como lhe aumenta a tolerância à dor. O mesmo japonês, Toshiyuki Nakagaki, que em 2008 ficara com o Ig Nobel de Ciência Cognitiva ao demonstrar o agudo senso de direção dos fungos ameboides no interior de um labirinto, voltou este ano para pegar o Ig Nobel de Planejamento de Transporte. Agora seus fungos "provaram" possuir um sistema de conexão mais eficiente que o do metrô de Tóquio.

A cientista ucraniana Elena Bodnar foi outra que também bisou sua presença na festa da Annals of Improbable Research. Não veio receber outro prêmio, apenas anunciar que já estava à venda o invento que em 2009 lhe proporcionou o Ig Nobel de Saúde Pública: um sutiã que se transforma em máscara contra gases - e tem o mesmo tom de rosa do flamingo de plástico para jardim que assegurou a Don Featherstone o Ig Nobel de Arte de 1996. O fenicopterídeo de Featherstone já tinha, então, quatro décadas de breguice; só lhe faltava a chancela de uma renomada instituição.

O físico inglês que se arvorou em dar respaldo científico a uma das Leis de Murphy ("A torrada sempre cai com o lado da manteiga para baixo") também recebeu o seu Ig Nobel de Física com atraso. Já o zoólogo que escreveu um livro sobre como identificar cada um dos insetos que se esborracham nos para-brisas de automóveis e caminhões esperou apenas alguns meses para abiscoitar o Ig Nobel de Entomologia.

Como a bebida afeta a memória dos peixinhos de aquário ? Em que doses regulares o álcool pode curar a ejaculação precoce canina ? Que efeitos sobre as aranhas tem o sangue dos esquizofrênicos ? Por que os ratos podem ser ensinados a preferir Mozart a Schoenberg ? Qual a utilidade do chulé ? Sem as limitações categóricas da Academia Sueca, a academia de Marc Abrahams contempla todas as áreas do conhecimento humano. Do ambientalismo à tecnologia, da administração de empresas à zoologia, sempre atrás de especulações que justifiquem a fama da pesquisa científica como "a falta do que fazer metida a besta".

Este ano até um Ig Nobel de Gestão foi providenciado. Três economistas da Universidade da Catânia, no sul da Itália, racharam a oferenda por conta da recauchutagem que deram no Princípio de Peter. "Todo empregado tende a ser promovido até o seu nível de incompetência", reza o princípio. Já que é assim, os italianos desenvolveram a tese de que a melhor maneira de aumentar a eficiência de uma empresa é promover competentes e incompetentes, aleatoriamente. E se a prática confirmá-la ?
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Aliás, pág. J7, 17/10/2010.

MARKETING 02



GM GANHA NOVO VISUAL DEPOIS DE ABRIR CAPITAL


Depois da crise, montadora quer mostrar aos consumidores que "não é mais a mesma"


Bill Vlasic, The New York Times
Tradução Augusto Calil


A General Motors está se livrando do velho e apresentando o novo depois de a participação do governo federal na empresa ter sido cortada pela metade. Até o logotipo da montadora instalado no alto de sua sede foi alvo de uma reforma.

A GM substituiu o logotipo tradicional, de letras quadradas e feito de plástico, afixado na fachada do complexo Renaissance Center em Detroit, por um painel eletrônico que exibe versões antigas do nome e das iniciais da empresa.

A remoção do antigo letreiro, com sua representação simples em azul e branco das letras GM sublinhadas, coincidiu com a oferta pública inicial da GM na semana retrasada. Quando as ações começaram a ser negociadas, as luzes do painel de LEDs de quase 60 m² foram acionadas.

"Precisamos modernizar a sede da empresa e mostrar ao público que a GM não é mais a mesma, que estamos mudando", diz Joel Ewanick, diretor de vendas e marketing da GM e responsável por sugerir as mudanças.

O painel de LEDs pode ser visto a quilômetros de distância da torre de 73 andares que abriga o complexo de escritórios da GM. Dois outros painéis presos ao edifício serão substituídos nos próximos meses.

Essas novidades fazem parte dos esforços mais amplos da GM no sentido de afastar de si a imagem da empresa com mais de um século de existência que pediu concordata e precisou de US$ 50 bilhões em assistência do governo para se recuperar. O retorno da GM como empresa de capital aberto - a oferta pública inicial de suas ações está captando US$ 23,1 bilhões - deu início àquilo que a montadora espera ser uma era nova e de mais sucesso.

Para especialistas em marketing, a GM deve tomar cuidado para não se esforçar demasiadamente no sentido de romper os elos com o passado, seja por meio da apresentação de uma nova identidade visual, seja simplesmente pela reiteração incessante do seu caráter "novo". "Não é possível resolver os problemas simplesmente por meio do descarte do antigo painel azul com o logotipo da empresa", afirma Laura Ries, presidente da firma de estratégia de marketing Ries & Ries, de Atlanta, referindo-se à antiga fachada.

Ela diz que mudar a percepção que as pessoas têm da GM não é uma tarefa que possa ser concluída da noite para o dia. "A empresa quer que o público goste dela, e por isso a GM às vezes exagera na tentativa de atingir esse objetivo", analisa.

A empresa planeja outras iniciativas para melhorar a própria imagem. Em frente à entrada da sede da empresa há uma imensa faixa onde lê-se "Somos a nova General Motors". Além disso, sua divisão Chevrolet anunciou que investirá US$ 40 milhões em projetos de energia limpa, como fazendas eólicas e tecnologia solar, para reduzir as emissões de carbono dos carros que a empresa comercializa.

Passeios. A GM tenta também se aproximar mais das comunidades que mantém em todo o território americano, e anunciou planos de oferecer passeios pelas instalações de todas as suas 54 fábricas nos EUA ao longo do ano que vem. "Os passeios pelas instalações são a nossa maneira de reconhecer a dedicação dessas comunidades", diz Diana Tremblay, vice-presidente da GM para os setores de fábricas e das relações de trabalho.

A atualização do painel com o logotipo da empresa na sua sede certamente atraiu as atenções no centro de Detroit. Os pedestres que passavam pela Avenida Jefferson pararam para reparar nas imagens enquanto os LEDs alternavam entre uma variedade de logotipos da GM.

Depois de exibir por cerca de um minuto o logotipo tradicional com as iniciativas GM, a tela mostrou uma forma oval com as palavras "General Motors" escritas no seu interior, e depois um "GM" estilizado em branco e preto com o nome da empresa escrito logo abaixo.

Ewanick não diz quanto a GM está gastando na substituição dos três painéis por versões eletrônicas. Ele afirma que o custo de manutenção dos novos painéis é inferior ao custo da iluminação dos antigos painéis de plástico. "Eles usam 15% da energia gasta pelos anteriores", garante. Segundo ele, os diferentes logotipos foram usados antes em variados momentos da história da GM, e apresentar todos eles nos painéis de LED é uma referência ao passado da empresa.

A GM planeja também instalar faixas estreitas de luzes coloridas sobre as outras quatro torres que compõem a sede da empresa. "Todos sabem que esses edifícios são o pano de fundo de todas as reportagens sobre a GM", disse Ewanick. "Eles representam o centro simbólico do nosso universo".

Ainda assim, ele está feliz porque a empresa não foi além e abriu mão de implementar um plano alternativo que previa a cobertura dos andares superiores com iluminação eletrônica. "Tivemos de fazer uma pausa e dizer: assim já é demais", afirma ele. "Não queríamos ter uma aparência digna de cassinos".
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Negócios, pág. N8, 29/11/2010.

domingo, 12 de dezembro de 2010

CIÊNCIA 44



UM SUPERCÉREBRO FEITO DE SILÍCIO E NEURÔNIOS



Fernando Reinach



Fazer contas. É uma atividade que nosso cérebro faz mal. Qualquer calculadora é mais rápida e erra menos. Mas os melhores computadores são incapazes de competir com nosso cérebro em algumas atividades. Qualquer criança é capaz de observar e reagir a mudanças na expressão facial dos pais. Quando crescemos, desenvolvemos a capacidade de analisar sons, gestos e expressões faciais, e, com base nessas informações, construímos imagens razoavelmente fiéis do pensamento de outro ser humano. Estamos longe de ter computadores capazes dessa proeza.

Alguns problemas necessitam da capacidade de cálculo de um supercomputador combinada ao processamento visual do cérebro humano. Até agora esses problemas eram atacados por um cientista na frente de um computador. A novidade é o desenvolvimento de um método capaz de combinar a atividade de milhares de cérebros humanos e diversos "cérebros eletrônicos", com o objetivo de resolver problemas que necessitam desses dois tipos de "inteligência". O mais interessante é que, observando como milhares cérebros humanos se complementam e interagem com o supercomputador, é possível começar a entender o que torna o cérebro humano tão especial.

Você deve estar imaginando uma enorme máquina na qual fios ligam centenas de cérebros de voluntários a um enorme computador. Na realidade, o equipamento no qual foi feito o experimento é um jogo online onde mais de 50 mil pessoas interagem entre si e com um computador para resolver o problema do enovelamento de proteínas.

O enovelamento de proteínas é um dos problemas não resolvidos da biologia molecular. Nosso cabelo é feito de proteína (queratina). São proteínas (lipases) que digerem a gordura no nosso intestino e carregam o oxigênio em nosso sangue (hemoglobinas).

As proteínas são longos cordões microscópicos. Imagine um colar construído com 20 tipos distintos de pérolas (os 20 aminoácidos), organizadas em uma sequência pré-determinada. Essa sequência é idêntica em todas as cópias da proteína queratina, mas muito diferente da sequência presente nas moléculas de hemoglobina. Esses colares de pérolas são produzidos nas células como se fossem um fio de macarrão que sai da máquina responsável por sua fabricação (o ribossomo). Mas, ao contrário do macarrão, esses fios se enovelam rapidamente após serem fabricados pelo fato de possuírem cargas elétricas e regiões que repelem a água.

O intrigante é que cada cópia de uma dada proteína acaba enovelada exatamente da mesma maneira. Apesar de sermos capazes de examinar uma proteína e determinar exatamente como ela está enovelada (sua estrutura tridimensional), somos incapazes de predizer como uma proteína vai se enovelar examinando sua estrutura desenovelada (sua estrutura linear). Em outras palavras, as regras de enovelamento ainda são desconhecidas. São essas regras que milhares de "jogadores" voluntários estão ajudando a descobrir.

O jogo funciona da seguinte maneira : quando a estrutura tridimensional (enovelada) de uma proteína é determinada, mas antes da informação se tornar pública, o desafio de enovelar a proteína é proposto como um quebra cabeças no site do jogo (fold.it). A estrutura desenovelada (linear) é apresentada aos milhares de jogadores, que usam uma interface gráfica sofisticada, acoplada a computadores localizados em grandes universidades, para manipular a estrutura tridimensional da proteína, enovelando cada pedaço.

Os jogadores podem se agrupar em times, concorrer uns com os outros e decidir quando e como usam os computadores para simular ou avaliar possíveis soluções. Em algumas comunidades, jogadores se especializaram em parte do problema; em outras, tentam chegar rapidamente a uma resposta preliminar. O jogo incentiva a diversificação de estratégias e metodologias. À medida que o jogo se desenvolve, com pontuações e outros incentivos típicos de um videogame, os resultados (propostas de enovelamento) são avaliados e comparados com o enovelamento verdadeiro. Ganha quem chegar mais perto da resposta correta no tempo determinado, em geral dias ou semanas. Você também pode participar, basta se inscrever e aprender a jogar usando os tutoriais.

O resultado desse enorme experimento, envolvendo milhares de cérebros humanos atuando simultaneamente com um conjunto de computadores, demonstrou que a combinação homem/máquina é mais eficiente e rápida quando comparada ao uso isolado de computadores ou do cérebro humano. Os cientistas, observando a atividade dos jogadores, puderam descobrir como a mente humana complementa os cálculos matemáticos sofisticados, de quebra descobrindo um pouco sobre o funcionamento do nosso cérebro. Foi descoberto, por exemplo, que o cérebro humano avalia melhor o potencial de uma solução parcial que os melhores programas. E também que diferentes pessoas utilizam estratégias diferentes para chegar à mesma solução.

Até hoje, a mente humana foi usada para resolver problemas diretamente ou para programar computadores que ajudam a resolvê-los. Esse experimento mostra que é possível combinar, em um ambiente virtual, a inteligência de milhares de pessoas e o poder de cálculo de um computador. O resultado é um supercérebro capaz de combinar a velocidade dos processadores de silício com a intuição gerada pela coletânea de neurônios no interior de milhares de crânios. Sem dúvida, um novo e poderoso modo de gerar conhecimento.





Mais Informações : Predicting Protein Structures With A Multiplayer Online Game. Nature, Vol. 466
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A32, 07/10/2010.


DESIGN 04



O ESTILO E A LEVEZA DAS JOIAS BRASILEIRAS



Aiana Freitas



Com acesso à matéria prima abundante, o Brasil sempre figurou no primeiro lugar da lista dos maiores exportadores de pedras preciosas brutas do mundo. De alguns anos para cá, no entanto, também as joias brasileiras têm chamado atenção no exterior, graças, principalmente, a deu design.

"O Brasil oferece um frescor no design de joias. Nossas peças rejuvenescem quem as usa. Elas não pesam e não têm ostentação", resume Regina Machado, consultora de tendências do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM).

Esse "frescor" é percebido facilmente, por exemplo, nas peças do premiado Antônio Bernardo. Ainda criança, ele aprendeu com o pai, dono de uma empresa que vendia ferramentas para ourives e relojoeiros, a trabalhar com os componentes usados em joias. Mais tarde passou também a executar o trabalho.

Formas que parecem se movimentar e temas lúdicos são as características marcantes das peças de Bernardo, que hoje trabalha com uma equipe de designers e ourives em seu ateliê no Rio de Janeiro. "Antônio Bernardo é um desbravador. Antes dele, as joias eram avaliadas pela quantidade de metal usada na produção, pelo peso do ouro e das pedras preciosas. Hoje, são analisadas a partir da percepção de valor que demonstram", afirma Regina, do IBGM.

Aos 63 anos, Bernardo já venceu sete vezes seguidas o prêmio IF Design em sua categoria principal. Um deles foi para o anel Puzzle, em formato de quebra-cabeça e montado sobre o dedo - uma versão arredondada foi criada pelo designer em 2009.

Suas peças são vendidas em lojas espalhadas por dez grandes cidades brasileiras e também em joalherias multimarcas nos Estados Unidos e países da Europa. "Meu trabalho é todo fruto do primeiro anel que fiz", diz o designer, que não cria suas peças como parte de "coleções" - vai desenvolvendo conforme a inspiração aparece, e muitas vezes ela surge quando ele está trabalhando em outro projeto.

É um método parecido àquele usado por Patricia Centurion, cujas peças também são marcadas pela contemporaneidade e pelo aspecto lúdico. Filha de um casal de médicos, ela se formou em desenho industrial, cursou ourivesaria, gemologia, desenho e história da joalheria em Firenze, na Itália. De volta ao Brasil, prosseguiu seus estudos na Faculdade de Belas Artes de São Paulo e complementou o currículo no Instituto per L"Arte il Ristauro Palazzo Spinelli e no Fuji Studio, na Itália e na Or Virtual, na Espanha. "Para quem não vem de família de joalheiros, é difícil entrar nesse mercado no Brasil", afirma Patricia.

Mas ela acabou chamando a atenção de grandes joalherias brasileiras, para quem desenvolveu peças no início da carreira. Em 2000, abriu seu ateliê em São Paulo. Hoje, suas peças são comercializadas em locais como as galerias Paloma Larroy (Madri), Artefakt (Munique) e PuntoBr (Milão).

Entre suas principais coleções está a Maria & Eugênio, criada após o nascimento de sua primeira filha, Maria Eugênia, e atualmente um dos carros-chefes de vendas.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, caderno Negócios, pág. N8, 29/11/2010.

SAÚDE 03


BAHIA LIDERA RANKING DOS ESTADOS COM MAIS CENTENÁRIOS


São 3.525 pessoas com 100 anos ou mais, revela Censo 2010. Em seguida estão São Paulo e Minas Gerais


Um Estado do Nordeste concentra o maior número de brasileiros centenários. Na Bahia vivem 3.525 pessoas com 100 anos ou mais. Logo depois vem os Estados do Sudeste: São Paulo, com 3.146 e Minas Gerais com 2.597.

Em dez anos, o número de brasileiros nesta faixa etária se manteve praticamente estável. Em 2000 eram 24.576 pessoas, 0,01% da população. Agora são 23.760, que representam 0,012% do total de brasileiros.

As mulheres têm mais chance de chegar aos 100 anos. "Elas vivem mais do que os homens. No Brasil, temos uma taxa de mortalidade mais elevada nos homens jovens (entre 19 e 24 anos)", explicou o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes.

Os fatores que mais contribuem para a mortalidade entre os homens são a violência e os acidentes de trânsito.



SÍMBOLO



Foi acompanhada dos oito filhos (que têm entre 56 e 84 anos), dos nove netos e dos seis bisnetos, além de uma legião de amigos, que Claudionor Viana Telles Velloso, a dona Canô, comemorou seu aniversário de 103 anos, em 16 de setembro. A festa durou o dia todo : começou cedo, com uma missa na Igreja de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, e seguiu à tarde e à noite, com um caruru para 300 pessoas na casa da aniversariante.

De diferente na comemoração deste ano, com relação às anteriores, apenas a cadeira de rodas, incorporada ao cotidiano de dona Canô em janeiro, depois de uma fissura no fêmur, causada por uma queda em casa.

Claudionor é a mais conhecida centenária da Bahia, matriarca do clã que reúne, entre outros, Caetano Veloso e Maria Bethânia. O segredo da longevidade a festeira, Canô traz na ponta da língua. "Tem de saber viver, ter amor no coração e ser correto", avisa. "Se você viver se aborrecendo por tudo, não chega".

É a síntese da vida simples que dona Canô leva, que não difere muito do dia a dia de tantas outras famílias do interior baiano. A rotina é bastante regrada e amplamente pautada pelo convívio com familiares e amigos.

A matriarca acorda cedo, toma um café da manhã com café, leite e suco e conversa - muito - com quem estiver na casa, que virou ponto turístico de Santo Amaro. Os filhos Nicinha, a mais velha, e Rodrigo, que moram na cidade, são companhias frequentes.

O almoço, cujo preparo ainda é supervisionado por dona Canô, é sempre servido à mesa. Todos os que estiverem na casa têm de se sentar ao redor. E é uma ordem que haja pelo menos um integrante da família para a refeição.

O cardápio cotidiano, em que pese a grande habilidade da matriarca na cozinha – descrita no livro O Sal é um Dom, da filha Mabel Velloso -, é simples. Nunca faltam à mesa feijão, alguma carne e verduras. Comidas baianas típicas, como moquecas e caruru - chamadas, pela família, de "comidas de azeite", pelo uso de azeite de dendê -, só em datas especiais. O próximo banquete do gênero já tem data marcada: 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara.

Dona Canô come pouco, sempre. Depois do almoço, tira um longo cochilo, que não raro segue até o sol se por. Acorda, faz um lanche, conversa mais e vê TV (prefere os noticiários).

Apesar do descanso vespertino, não dorme tarde : por volta das 22 horas, logo depois de mais um lanche, já está de volta à cama, acompanhada por um livro ou um jornal.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A22, 30/11/2010.




domingo, 5 de dezembro de 2010

CIÊNCIA 43

Australopithecus afarensis



A MÃE DE TODAS AS LÂMINAS



Fernando Reinach



Diariamente, usamos facas e tesouras ; ocasionalmente, um machado ou foice. No passado, ficaram as espadas, lanças, flechas e outros instrumentos cortantes. Agora, um achado espetacular empurrou a idade do mais antigo instrumento de corte para longínquos 3,4 milhões de anos atrás, muito antes do surgimento do Homo sapiens.

As lâminas de aço são filhas das lâminas de ferro, que surgiram há 2,5 mil anos (a data varia em diferentes civilizações) e são descendentes das de bronze, desenvolvidas 3 mil anos antes. Até então, elas eram de pedra. Como as lâminas mais antigas foram fabricadas há 2,5 milhões de anos, é fácil deduzir que foi somente nos últimos 0,5% da história das lâminas que elas deixaram de ser feitas de pedras. Compare com os cem anos de história do automóvel. A lâmina de metal corresponde ao último modelo, lançado neste mês. As lâminas de pedra, a todos os modelos anteriores.

Quando, partindo das sofisticadas lâminas de pedra polida, caminhamos em direção ao passado, encontramos as lâminas obtidas de fragmentos lascados sucessivas vezes, chegando finalmente aos fragmentos de pedras, nos quais a superfície cortante era obtida a partir de um número pequeno de lascas. Essas últimas surgiram há 2,5 milhões de anos. O Homo sapiens surgiu faz menos de 500 mil anos, portanto as lâminas de pedra já eram utilizadas por nossos ancestrais.

O problema é como identificar o uso de lâminas muito simples. Juntos a qualquer esqueleto são encontradas pedras, mas, se elas possuem uma só lasca, como saber se eram instrumentos de corte ou simples pedras preservadas junto aos ossos fossilizados ?

Quando a arma do crime não pode ser identificada, é possível deduzir sua existência a partir das consequências de seu uso. Não é preciso achar o revólver para saber que um crânio foi perfurado por uma bala. Foi com base nesse raciocínio que os arqueólogos começaram a prestar atenção nos ossos achados nos sítios arqueológicos.

Durante escavações na região de Dikika, na Etiópia, em um estrato arqueológico de 3,39 milhões de anos, foram encontrados dois ossos fossilizados. Ambos com marcas idênticas às obtidas quando usamos um instrumento cortante para retirar a carne do osso.

Um dos ossos é uma costela de um animal grande, do tamanho de uma vaca, no qual foram encontradas marcas em forma de V e diversas marcas típicas de raspagem e percussão. Dada a forma das marcas, fica claro que foi utilizado um instrumento de corte para retirar a carne e um outro para romper o osso e ter acesso ao tutano.

Um segundo osso, um fêmur de um animal do tamanho de um carneiro, também possui múltiplas marcas em sua superfície. A análise das marcas indica que elas foram feitas logo após a morte do animal, muito antes do processo de fossilização. Os únicos hominídeos encontrados nessa formação rochosa de 3,39 milhões de anos atrás são da espécie Australopithecus afarensis (a famosa Lucy), um de nossos possíveis ancestrais.

A conclusão é simples : os Australopithecus afarensis, praticamente 3 milhões de anos antes do surgimento do Homo sapiens, já eram capazes de desossar sua caça com o que talvez seja a mãe de todas as facas. Tudo indica que eles também gostavam de chupar um tutano. Na próxima vez que você utilizar uma faca, lembre que a descoberta dessa tecnologia foi feita pelo pequeno cérebro de um hominídeo. Nós, tão sapiens, só aperfeiçoamos o instrumento.



Mais Informações : Evidence For Stone-Tool-Assisted Consumption Of Animal Tissues Before 3.39 Million Years Ago At Dikika Ethiopia. Nature, Vol. 466, Pág. 857, 2010
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A29, 23/11/2010.

COTIDIANO 05



CAPITAL PAULISTA 'EXPORTA' 293 MIL PESSOAS NESTA DÉCADA



José Roberto de Toledo



Migrantes de todas as partes do Brasil e do mundo, São Paulo tornou-se uma "exportadora" de gente no século 21. Entre moradores que chegaram e pessoas que abandonaram a cidade, a capital paulista perdeu 293 mil habitantes nesta década.

É o que os demógrafos chamam de saldo migratório negativo. São Paulo só continuou crescendo porque o saldo vegetativo foi alto: 1,770 milhão de nascimentos contra 667 mil mortos entre 2000 e 2010, segundo dados do Datasus (Ministério da Saúde).

Ou seja, enquanto 1,103 milhão novos habitantes entravam pelas maternidades, outros 293 mil saíam pela via rodoviária (ou pelo aeroporto). No fim das contas, a cidade incorporou 810 mil novos paulistanos em 10 anos e chegou a 11,244 bilhões de habitantes.

Ao contrário de décadas anteriores, há indícios de que o destino dos moradores que emigraram de São Paulo não tenha sido a periferia da região metropolitana. Isso porque vários municípios importantes do entorno paulistano também tiveram saldo migratório negativo.

Foram os casos de Osasco (-58 mil pessoas), Carapicuíba (-26 mil), Santo André (-21 mil), Diadema (-20 mil), São Bernardo do Campo (-14 mil) e Barueri (-6 mil), entre outras. Elas têm mais moradores hoje do que tinham há dez anos, mas foi graças aos nascimentos ocorridos dentro do próprio município.

É uma nova tendência. Na segunda metade do século 20, muitas dessas cidades cresceram absorvendo moradores da cidade de São Paulo, principalmente os de baixa renda. Ao que tudo indica, a centrifugação populacional paulistana perdeu força no século 21. Poucas cidades vizinhas à capital tiveram saldo migratório positivo. Destacam-se Cotia (+29 mil pessoas) e Santana de Parnaíba (+ 23 mil pessoas).

Ambas têm em comum uma acentuada desigualdade social: abrigam tanto condomínios destinados a moradores de alta renda quanto uma população pobre que vive fora dos muros. O perfil das duas cidades sugere que podem ter recebido paulistanos ricos.

Há muita gente que deixou os Jardins ou o Morumbi, em São Paulo, para morar em casas mais amplas e, teoricamente, mais seguras em condomínios como Alphaville (Santana de Parnaíba) e Granja Viana (Cotia). O resultado disso pode ser visto nos congestionamentos matutinos e vespertinos nas estradas que ligam a capital a essas cidades/condomínios.

O mesmo vale para cidades que não pertencem à região metropolitana de São Paulo, mas que estão próximas o suficiente para abrigar gente que trabalha na capital e viaja diariamente, como Jundiaí (saldo migratório de + 20 mil habitantes) e Valinhos (+ 17 mil).

O pesquisador Alberto Augusto Eichman Jakob, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp, aponta essa "desconcentração" como uma das possíveis causas do saldo migratório negativo da cidade de São Paulo na década. Mas levanta uma hipótese complementar: migração de retorno.

Pessoas que migraram do Nordeste e/ou de Minas Gerais para São Paulo décadas atrás conseguiram fazer seu pé-de-meia trabalhando na cidade e decidiram voltar às suas regiões de origem. Isso seria potencializado pela melhoria das condições econômicas desses locais, fruto do crescimento econômico dos últimos anos.

Jakob ressalva que será necessário fazer estudos mais aprofundados para confirmar essa hipótese.

O Estado de São Paulo, no seu conjunto, continua sendo um imã populacional: atraiu 557 mil migrantes de outros Estados e países desde o início dos anos 2000.

Os polos paulistas que mais atraíram migrantes na década foram Ribeirão Preto (saldo migratório positivo de 59 mil habitantes), Sorocaba (+ 47 mil), Praia Grande (+ 45 mil), Indaiatuba (+ 38 mil) e Campinas (+ 32 mil).

Essa cidades possuem perfis distintos : algumas são movidas pelo agronegócio, outras pela indústria e ao menos uma pelo turismo.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A22, 30/11/2010.

COTIDIANO 04



SÃO PAULO TEM 600 MIL MULHERES A MAIS


Em números absolutos, a capital paulista é a que registra a maior diferença entre os sexos no País


Felipe Werneck, Márcia Vieira, Jaqueline Farid, Alexandre Gonçalves e Zuleide de Barros


As mulheres são maioria no País : 97.342.162 contra 93.390.532 homens. A relação é de 95,9 homens para cada 100 mulheres. Em 2000, para cada 100 mulheres, havia 96,9 homens. Em termos absolutos, a cidade São Paulo é a campeã da diferença entre sexos.

Essa superioridade feminina se repete em todas as regiões do País, com exceção da Região Norte. Lá são 8.004.129 homens contra 7.861.549 mulheres. Entre as cidades, a que apresenta maior porcentual de homens é Balbinos (SP), com 82,20%. O motivo é simples: a cidade triplicou de população após a instalação em 2005 de duas penitenciárias. Há dez anos, Novo Progresso, no Pará, tinha o título de cidade com maior concentração masculina (60,31% da população). Balbinos não figurava nem entre as dez cidades dominadas pelos homens.

Já as mulheres dominam as cidades mais populosas. A maior concentração está em Santos (SP), onde elas são 54,25% dos moradores. Em seguida aparecem Recife (53,87%) e São Caetano do Sul (53,85%). Há dez anos, outra cidade paulista liderava o ranking. Águas de São Pedro, com 53,96% de mulheres. Santos vinha em segundo (53,77%). No Estado do Rio, a mais feminina das cidades é Niterói. No Censo de 2000, elas representavam 53,43%. Era a quarta no ranking nacional. Agora, caiu uma posição. Está em quinto lugar, com pouca variação (53,69%).



LÍDER



Em termos absolutos, São Paulo lidera o ranking na diferença populacional entre os sexos. A cidade tem 597.599 mulheres a mais do que homens.

A diferença pode ser explicada pela maior expectativa de vida das mulheres, aponta Glaucia Marcondes, do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Nasce um número ligeiramente maior de homens", afirma Glaucia. "Mas eles estão mais susceptíveis a mortes violentas, a acidentes de carro, ao estresse cotidiano. Desta forma, sua expectativa de vida é menor, o que pode explicar o resultado do censo."

Glaucia recorda que as análises sobre o registro civil apontam para uma diferença constante entre as idades dos homens ou mulheres que se casaram nos últimos anos. "Os homens costumam ser quatro ou cinco anos mais velhos." Eles normalmente se interessam por mulheres mais jovens. Elas buscam homens que alcançaram uma maior maturidade afetiva e profissional. Com o tempo, o número de parceiros disponíveis aumenta para os homens e diminui para as mulheres. Mas Glaucia diz que existe uma tendência - discreta e constante - de aumento no número de homens que se unem a mulheres mais velhas.

Basta dar uma olhada nos bailes em Santos para se constatar a escassez de homens. Há um contingente muito grande de mulheres dançando sozinhas ou com outras mulheres.

O sociólogo da Universidade Católica de Santos, Cláudio José dos Santos, acredita que tal situação deverá se inverter dentro de pouco tempo, levando-se em conta as expectativas do pré-sal. "Essa tendência deve se desfazer dentro de pouco tempo. É claro que a maioria esmagadora de trabalhadores especializados será masculina." O pesquisador acredita que a proporção entre homens e mulheres deverá mudar dentro de dois a cinco anos e que, no próximo censo, de 2020, a situação terá se invertido.

Mas, enquanto isso não acontece, o contingente de mulheres sozinhas continuará grande. "Enquanto os profissionais atraídos pelo pré-sal não vierem, continuaremos dançando sozinhas", afirma aposentada Maria Helena Judice, de 65 anos.
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Publicado no jornal O Estado de São Paulo, pág. A22, 30/11/2010.